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domingo, 8 de agosto de 2010
Como formar leitores? Eis a questão!!!
A resposta para este questionamento é simples de responder, porém nem todos querem ver. Para despertar o prazer da leitura em nossas crianças temos que simplesmente ler, ler e ler para elas. Este ato é na verdade um ato de amor, pois muitos professores, e pais também, se dizem ocupados demais em suas atividades que acham que disponibilizar um tempo diário para ler para as crianças é desperdício. “Se sabem ler, que leiam sozinhos”. Não é bem assim que deve ser. É preciso que a criança tenha o encaminhamento de um adulto e que esse adulto seja também um leitor. Não se pode ensinar o que não se sabe. Um adulto que vê a leitura como algo maçante, cansativo, não pode ensinar a uma criança a maravilha que é a leitura.
Infelizmente, como Rubem Alves bem disse em sua crônica “Ler e prazer”, a escola não está cumprindo uma de suas funções mais importantes que é despertar no aluno o gosto pela leitura. Para a escola a leitura geralmente está associada a atividades quantitativas, para nota, e daí o aluno tem que ler livros que não se identifica só porque o professor “mandou”, porque “vai cair na prova”, enfim, porque é forçado.
É preciso rever esta questão em torno da leitura. Sabemos que um dos grandes problemas que a escola enfrenta é a dificuldade que os alunos sentem para escrever bem. O que será que está errado com o ensino de português nas escolas? Por que os alunos não estão aprendendo a escrever corretamente? Por que acham as aulas de português chatas e sem sentido? A resposta é: gramática não ensina ninguém a escrever e interpretar bem. Essa habilidade só se adquire lendo, lendo sempre e de tudo um pouco.
É essa a principal lição que deve ser enfatizada na escola e repassada para a família, para que haja também um incentivo à leitura por parte dos pais, em casa. Está mais que comprovado que crianças que têm pais leitores, pais que liam para elas desde cedo, antes mesmo que aprendessem a andar, sentem mais facilidade em escrever, são mais criativas e tem uma ótima capacidade em interpretar e produzir textos. Sem falar na escrita que, sem dúvida, contém menos erros de ortografia, se comparada à de alunos que não leem.
O segredo para se formar leitores é lendo. Através deste ato poderemos despertar nos pequenos a curiosidade de querer conhecer mais outras e outras histórias, outras obras, e depois de conquistado não terá mais volta. Teremos, enfim, um leitor que lê, não por obrigação mas, felizmente, por prazer.
Ler e prazer
Nietzsche estava certo: “De manhã cedo, quando o dia nasce, quando tudo está nascendo – ler um livro é simplesmente algo depravado...” É o que sinto ao andar pelas manhãs pelos maravilhosos caminhos da Fazenda Santa Elisa, do Instituto Agronômico de Campinas. Procuro esquecer-me de tudo que li nos livros. É preciso que a cabeça esteja vazia de pensamentos para que os olhos possam ver. Aprendi isso lendo Alberto Caeeiro, especialista inigualável na difícil arte de ver. Dizia ele que “pensar é estar doente dos olhos...” Mas meus esforços são frustrados. As coisas que vejo são como o beijo do príncipe: elas vão acordando os poemas que aprendi de cor e que agora estão adormecidos na minha memória. Assim, ao não pensar da visão une-se o não pensar da poesia. E penso que o meu mundo seria muito pobre se em mim não estivessem os livros que li e amei. Pois, se não sabem, somente as coisas amadas são guardadas na memória poética, lugar da beleza. “Aquilo que a memória amou fica eterno”, tal como o disse a Adélia Prado, amiga querida. Os livros que amo não me deixam. Caminham comigo. Há os livros que moram na cabeça e vão se desgastando com o tempo. Esses, eu deixo em casa. Mas há os livros que moram no corpo. Esses são eternamente jovens. Como no amor, uma vez não chega. De novo, de novo, de novo...
Um amigo me telefonou. Tinha uma casa em Cabo Frio. Convidou-me. Gostei. Mas meu sorriso entortou quando ele disse: “Vão também cinco adolescentes...” Adolescentes podem ser uma alegria. Mas podem ser também uma perturbação para o espírito. Assim, resolvi tomar minhas providências. Comprei uma arma de amansar adolescentes. Um livro. Uma versão condensada da Odisséia, as fantásticas viagens de Ulisses de volta à casa, por mares traiçoeiros...
Primeiro dia: praia; almoço; sono. Lá pelas cinco os dorminhocos acordaram, sem ter o que fazer. E antes que tivessem idéias próprias eu tomei a iniciativa. Com voz autoritária dirigi-me a eles, ainda sob o efeito do torpor: “Ei, vocês... Venham cá na sala. Quero lhes mostrar uma coisa...” Não consultei as bases. Teria sido terrível. Uma decisão democrática das bases optaria por ligar a televisão. Claro. Como poderiam decidir por uma coisa que ignoravam? Peguei o livro e comecei a leitura. Ao espanto inicial seguiu-se silêncio e atenção. Vi, pelos seus olhos, que já estavam sob o domínio do encantamento. Daí para frente foi uma coisa só. Não me deixavam. Por onde quer que eu fosse, lá vinham eles com a Odisséia na mão, pedindo que eu lesse mais. Nem na praia me deram descanso.
Essa experiência me fez pensar que deve haver algo errado na afirmação que sempre se repete de que os adolescentes não gostam da leitura. Sei que, como regra, não gostam de ler. O que não é a mesma coisa que não gostar da leitura. Lembro-me da escola primária que freqüentei. Havia uma aula de leitura. Era a aula que mais amávamos. A professora lia para que nós ouvíssemos. Leu todo o Monteiro Lobato. E leu aqueles livros que se lia naqueles tempos: Heidi, Poliana, A ilha do tesouro. Quando a aula terminava era a tristeza. Mas o bom mesmo é que não havia provas ou avaliações. Era prazer puro. E estava certo. Porque esse é o objetivo da literatura: prazer. O que os exames vestibulares tentam fazer é transformar a literatura em informações que podem ser armazenadas na cabeça. Mas o lugar da literatura não é a cabeça: é o coração. A literatura é feita com as palavras que desejam morar no corpo. Somente assim ela provoca as transformações alquímicas que deseja realizar. Se não concordam, que leiam Guimarães Rosa que dizia que literatura é feitiçaria que se faz o sangue do coração humano.
Quando minha filha estava sendo introduzida na literatura o professor lhes deu como dever de casa ler e fichar um livro chatíssimo. Sofrimento dos adolescentes, sofrimento para os pais. A pura visão do livro provocava uma preguiça imensa, aquela preguiça que Barthes declarou ser essencial à experiência escolar. Escrevi carta delicada ao professor lembrando-lhe que Borges havia declarado que não havia razão para se ler um livro que não dá prazer quando há milhares de livros que dão prazer. Sugeri-lhe começar por algo mais próximo da condição emotiva dos jovens. Ele me respondeu com o discurso de esquerda, que sempre teve medo do prazer: “ O meu objetivo é produzir a consciência crítica...” Quando eu li isso percebi que não havia esperança. O professor não sabia o essencial. Não sabia que literatura não é para produzir consciência crítica. O escritor não escreve com intenções didático-pedagógicas. Ele escreve para produzir prazer. Para fazer amor. Escrever e ler são formas de fazer amor. É por isso que os amores pobres em literatura ou são de vida curta, ou são de vida longa e tediosa... Parodiando as palavras de Jesus “nem só de beijos e transas viverá o amor mas de toda palavra que sai das mãos dos escritores...”
E foi em meio a essas meditações que, sem que eu o esperasse, foi-me revelado o segredo da leitura... Mas o espaço acabou... O jeito é deixar para o próximo mês...
Crônica de Rubem Alves.
segunda-feira, 19 de julho de 2010
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